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quarta-feira, 21 de abril de 2010

Dois botões parte I

Era noite, a rua estava deserta, os postes acesos, e ela andava sozinha com a caixinha na mão.
Ela seguia sempre olhando pro chão, pra sua sombra, a passos apressados e segurando firmemente a caixinha, como se a abraçasse.
Tudo que se ouvia era o som de seus pés batendo no chão e sua respiração.

Fazia frio.

Ela tremia.
Talvez agarrasse a caixinha tão forte pra se aquecer dela. Abraçava e apoiava sua cabeça sobre ela; poderia até fechar os olhos e dormir andando, se não tivesse medo.
Sim, tinha muito medo.
Os olhos fixos no chão, arregalados, quase não piscavam, tal era a tensão.
Ela pressionava o queixo contra a caixinha para não bater os dentes. Talvez tremesse tanto não só de frio.

Fazia frio.

Ela pressionava a caixinha contra o peito, muito, muito, como não se machuca?
Talvez não fosse só o frio ou o medo de perdê-la.
Andava apressada, nunca chegava; porém, não ficava impaciente. Já sabia que era assim, já tinha feito esse mesmo caminho muitas vezes, já tinha passado por essa situação várias vezes.

Vestia um vestido.
A saia era um pouco rodada, era preto e tinha mangas compridas.
Usava luvas também, além de um lenço na cabeça e botas. Todos igualmente pretos.
Tinha também um colete por cima do vestido, era cinza escuro e tinha botões pretos. O cinza era da mesma tonalidade da discreta renda da saia do vestido, e das meias-calças.
A caixinha era de madeira; madeira de um marrom bem escuro, com detalhes dourados.

Às vezes se podia ouvir um barulhinho de algo se mexendo dentro da caixinha.

A caixa tinha um fecho dourado, com lugar pra uma chave; parecia uma caixa de joias, dessas que as moças que usam espartilhos e têm bonecas de bailarinas têm.
Era maciça e pesada.

Ela era pequena, tinha cabelos pretos e compridos que caiam ondulados em seus ombros e eram presos por um lenço azul-marinho quase preto com detalhes cinzas.

Fazia frio.

Em um dado instante, ela parou repentinamente. Arregalou ainda mais os olhos e levou a mão à boca numa exclamação, como se lembrasse de algo. Ela então continuou com o passo ainda mais apertado; como não fosse suficiente, começou a correr.
Correu, correu, e chegou a um beco.
Entrou pelo beco vazio, apoiou as costas numa das paredes e abriu a tampa da caixinha sem desapertá-la contra o peito.

Estavam lá dois botões como os de seu colete; um preto e um branco.

Vendo-os, respirou aliviada, fechou a tampa, abraçou a caixa novamente e começou a desencostar-se da parede.
Ao levantar-se, soltou um gemido de dor; curvou-se para frente segurando a caixinha como alguém segura o peito que dói. Erigiu a coluna lentamente e saiu do beco voltando a andar no mesmo ritmo inicial.

Andou mais alguns poucos instantes até chegar numa vitrine que parecia ser de um açougue. A porta estava aberta, apesar de ser tarde da noite; entrou.
Encaminhou-se para o balcão, havia um senhor barbado, de cabeça baixa, pálido. Não era possível saber se estava vivo ou não.

Ela disse timidamente:
- Olá?
Ele não se moveu.
Ela o cutucou e disse novamente:
- Senhor Tempo?
Ele então ergueu os olhos com desconfiança e a fitou.
Ela continuou:
- Vim pedir que me acompanhe, trago nesta caixa dois...
Ele a interrompeu:
- Dois?
- Sim, dois botões; um preto e um branco.
- Achas que mereces a companhia do Tempo trazendo-o dois míseros botões?
Os olhos dela marejaram.
- Então não hás de me acompanhar?
- Não é esta a pergunta. Mereces o Tempo?
- Eu creio que sim, pois venho de longe buscá-lo já muitas vezes. Ganhei um botão na busca pelo Tempo.
- Deixe-me ver teus botões.
Ela ficou na ponta dos pés, sem desgrudar a caixa do peito, e abriu a tampa, mostrando-o os botões. Dois botões muito brilhantes; um preto e um branco.
Ele fez um gesto com as sobrancelhas e ela fechou a tampa e desceu da ponta dos pés.
- E então?
- Diz-me novamente por que mereces a companhia do Tempo.
- A caixa é maciça e pesa muito.
- Podes encontrar alguém que ajude a carregá-la, que não o Tempo, que há de levá-la embora.
- Pois quero que a leve.
- Estás certa disso? Os enfeites em ouro são bonitos e brilhantes.
- Que adianta serem bonitos se me perfuram o peito?
- Adianta que podes olhar para eles e ter seu brilho refletido em teus olhos.
- De nada isso me serve se não consigo respirar.
- Pois não respiras neste exato instante?
- Não como respirava no instante anterior.
- Estão dizes que mudou?
- A cada dia perfura-me mais.
- Pois se algo muda, tens a companhia do Tempo.
- Pois que Tempo é este que não leva a caixa e perfura-me mais?
- Não leva porque não queres, não leva porque não deixas, perfura porque pressionas.
- Pois quero, deixo, não hei de pressionar mais! - disse ela, com voz exaltada.
- Se estás tão certa, troco-te de Tempo. Porém, saiba que este lhe levará a caixa, ainda que não queiras, ainda não deixes, ainda que pressiones.
- Pois troca-me, então.

Ele ergueu a cabeça, saiu de trás do balcão, caminhou até ela e parou bem à sua frente. Parecia um mago, trajado com uma capa verde muito, muito desbotda e empoeirada. O nariz era comprido e curvado, as mãos eram velhas e pálidas, com veias saltadas praticamente à mostra; cheirava a pó.
Segurou a sua caixinha e a puxou. Ela soltou um grito estridente de dor, ele continuou a puxar. Ela gritava, contorcia-se. Ele ia puxando com dificuldade a caixa, e revelava um espinho, um espinho que saía da caixa e perfurava-lhe o peito, profundamente.
Ela gritava, gritava, cada vez mais e mais. Quando a distância entre a caixa e seu peito era de três dedos, começou a sangrar. Ele parou. Soltou-a e ela despencou no chão, contorcendo-se e gemendo.

- Está bem profundo, precisas bastante do Tempo. - ele disse, encaminhando-se para um canto da sala. Numa prateleira empoeirada, pegou um facão de açougueiro e disse: - Preferes o modo mais rápido?

Ela arregalou os olhos e gritou:
- NÃO, NÃO, NÃO! Prefiro muito mais muito Tempo! Não importa quanto!
- A dor em pedaços torna-se maior que a dor inteira. - disse ele aproximando-se dela.
- Não, não, eu tenho certeza, eu tenho, eu tenho sim. - disse ela engolindo a seco e afastando-se dele arrastando-se pelo chão.

Ele então parou, largou o facão ao chão e disse:
- Por que puseste a caixa toda de volta?

Ela percebeu que pressionava a caixinha como nunca para estancar o sangramento. Tinha as luvas todas ensanguentadas e a saia toda manchada de vermelho.

- Saiamos daqui. Levanta-te.

Ela olhava assustada e tremendo para todo aquele sangue, não o havia visto jorrar daquela forma, e o espinho lhe perfurava ainda mais.

- Levanta-te. O Tempo vai sempre em frente.

Ela se levantou, procurou algo em quê limpar as mãos, porém não encontrou. Tirou então o lenço da cabeça, limpous as mãos e estancou o sangramento no peito. Seus cabelos caíram sobre o rosto, antes à mostra (a partir daí passaram a incomodar-lhe os olhos).
Então seguiu o Tempo pela porta, sem nada da firmeza anterior, e olhando-o em frente, com os mesmos olhos arregalados.
Tremia bastante; era quase reflexivo, mas tentava não mais pressionar a caixinha.

Fazia frio.


__________________________________________________________________

Não é a Liz, ok. kk
E, sim, terá parte II.
Eu tentei descrever mais as coisas, mas acho que ainda não tá bom; ainda vou editar e ver se isso sai melhor.
Postado por nathália às 01:46
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24 comentários:

mandy~ disse...

Lizzie *-* -brinks

Uma fábula. *-* (pelo menos eu acho que é uma kkk)
Adorei a ideia, muito original.
Vê se cumpre de escrever a parte II ok? kkk /editora

:*

21 de abril de 2010 às 19:20
rodrigo; disse...

Você dá a ideia e rouba mano?

Gostei pacas *-*
Mas posso fazer um chute? A menina é mais velha do que aparenta, né?
Porque não é como se alguém da idade dela tivesse essa linguagem.

Ou to brisando?

21 de abril de 2010 às 21:52
nathália disse...

Imagino que ela tenha meis ou menos a idade da Liz, rs
E a linguagem é condizente com a época, eu acho

percebe que eu só 'acho' coisas, né? rs

21 de abril de 2010 às 22:06
rodrigo; disse...

Ah, isso que é desenvolver argumentos antes de escrever a história xD

É que sabe, não acho que uma garota teria assuntos a resolver com o Tempo. Isso é coisa de quem tem Passado ou teme pelo Futuro.

21 de abril de 2010 às 22:14
nathália disse...

Mas eu não desenvolvi argumentos. xD
As coisas vão saindo, rs
(não sei até que ponto isso é bom ou ruim)

Por que uma garota não pode ter Passado e temer pelo Futuro?

21 de abril de 2010 às 22:19
rodrigo; disse...

Porque são garotas? BRINKS

Não sei Nath. Mas acho que tanto a Liz quanto essa dai são mais velhas do que aparentam.

"Vestia um vestido.
A saia era um pouco rodada, era preto e tinha mangas compridas.

Talvez o Botão Branco e o Botão Preto sejam as memórias boas e ruins do relacionamento dela com o marido, e que para ela enfrentar esse momento ela tenha que se desapegar do Passado. .-.

[Mano, eu to me metendo na sua história AHUEHUEUH
Usava luvas também, além de um lenço na cabeça e botas. Todos igualmente pretos.
Tinha também um colete por cima do vestido, era cinza escuro e tinha botões pretos. O cinza era da mesma tonalidade da discreta renda da saia do vestido, e das meias-calças."

Não é roupa de criança, Nath. É roupa de viúva.
Talvez uma mulher que tenha perdido o marido e regressou a essa forma como maneira de lutar contra o Luto?

21 de abril de 2010 às 22:24
rodrigo; disse...

Sabe o que eu ia escrever sobre os dois botões?
Ia ser sobre uma menininha que perdeu o pai e então cria uma amizade com os dois botões de uma camisa do pai como forma de negar a perda.

"Havia uma menina. Com a menina havia uma caixa. Dentro da caixa não há mais do que dois botões.

-Ele foi mas vocês ficaram e vocês não tem ideia de como isso me deixa feliz e eu queria passar tanto tempo com vocês mas a mãe não deixa ela diz que a gente tem que continuar, a vida continua ou algo assim, mas não sei do que ela tá falando. Às vezes queria que ela ficasse quieta e nos deixasse sozinhos, dai eu poderia ficar conversando com vocês até depois da hora de dormir e talvez a gente conseguisse conversar até o sol subir de novo e seria tão legal se pudéssemos fazer isso mas toda vez que eu fico conversando até tarde a mãe entra no quarto e me manda dormir e sempre ameaça tirar vocês de mim. Mas eu não deixo. Então ela volta para o quarto dela e fica chorando bem baixinho. "

É assim o rascunho do comecinho

21 de abril de 2010 às 22:33
rodrigo; disse...

Cadê as vírgulas mano!

21 de abril de 2010 às 22:34
nathália disse...

que triste. ><

a falta de vírgulas faz a gente ler que nem uma criança que não sabe pontuar e acaba ficando sem fôlego no meio da fala xD

mas continue *-*

talvez ce tenha criado essa coisa toda de viúva por causa da sua ideia xD

21 de abril de 2010 às 22:39
nathália disse...

e sobre a teoria da viúva:

faz sentido, mas acho que isso decorre da minha falta de habilidade com descrições. rs

a roupa dela seria parecida com a da EVA-beatrice, só mudando as cores

e a época não é a época atual, mas algo meio europa na primeira guerra mundial
ruas de paralelepípedos
e postes de lampiões
mas isso vai tá escrito na parte II rs

acredito mesmo que ela não tenha mais de 20 anos

ok que primeira guerra mundial de alguma forma embasa a teoria de ela ser viúva, mas eu acho que ela ainda é praticamente uma criança, uma criança que se mostra madura, que tenta parecer madura talvez, por causa do espinho que tá lá

21 de abril de 2010 às 22:41
rodrigo; disse...

Meu, eu ODEIO a roupa da EVA-Beato. Ponto.

Mas, meu, qualé a dos espinhos?
Diga o que quiser, crianças não carregam cruzes assim. Pelo menos eu acho.

Talvez o ambiente de WW1 seja um limbo psicológico, não?

Porque (haha, prepara) eu sempre acreditei que tanto o HDB quanto a Liz quanto o Grabe tem um universo particular deles, vamos chamar de um MetaWorld. E o MW não passa de várias imagens espelhadas do nosso Universo, com ligações relativas de espaço-tempo. Foi pensando nisso que eu escrevi aquele texto merda sobre a capela, porque eu sempre acreditei que se em algum momento todos se encontrassem merda iria acontecer. Dai talvez esse "limbo-WW1" seja apenas um teco desse MetaWorld que seria o nosso limbo, sacou? E por isso que nossos textos abusam de linguagem onírica.

21 de abril de 2010 às 22:55
nathália disse...

"praticamente" uma criança, uma jovem, uma adolescente, algo entre 13 e 20 anos (oi liz)

e pera que eu vou ler isso que vem depois de novo

21 de abril de 2010 às 22:59
nathália disse...

bom, acho que entendi rs

mas não é muito triste que o MetaWorld, que é onde eles estão, seja o nosso limbo?

21 de abril de 2010 às 23:08
rodrigo; disse...

Por que você acha que o HDB matou todo mundo?

21 de abril de 2010 às 23:11
nathália disse...

por quê?

21 de abril de 2010 às 23:20
rodrigo; disse...

Não sei, por isso perguntei. '-'

21 de abril de 2010 às 23:35
nathália disse...

affe. xD

acho que o HDB matou todo mundo porque ele é revoltado com tudo, rs.
MEU, o que ce esperaria de um cara sem nome e um buraco no peito?

21 de abril de 2010 às 23:54
rodrigo; disse...

HUAHEUHAEUHEA

22 de abril de 2010 às 00:04
B. disse...

Eu não conheço nenhum personagem que vocês ou Ana criaram, ok.

Olha, eu queria muito saber que diabo de tecido é esse que é preto e com sangue fica vermelho. Eu nunca tive uma roupa com um tecido desses. yay, quero um. Porque, pensa, se o nariz sangrar você limpa com a blusa e ganha umas manchas muito gore na roupa. Cara, que foda.

E pensou se for lolita? Nossa, muito amor.


Eu gostei da história. A metáfora é bonita. E quantas teorias ao redor disso.
Prefiro não comentar a respeito.

22 de abril de 2010 às 22:54
rodrigo; disse...

"Olha, eu queria muito saber que diabo de tecido é esse que é preto e com sangue fica vermelho."

HAUEHUAEHUAEHUAEHUAEHUAEHU RIDEMAIS

22 de abril de 2010 às 23:01
nathália disse...

Claro que conhece, a gente te falou da Liz e do Grabe, poxa > >

E adoro como ce é observadora HAUEH
mas não é que ele tenha ficado vermelho; ele tava manchado de vermelho.
(e vermelho não só de cor vermelha);
não sei se vou conseguir te fazer imaginar, mas... saca? bastante sangue, parte dele absorvido num tecido preto, aquela meleca grudenta, manchas vermelho-escuras com aquele cheiro forte de sangue e outra parte escorrendo e pingando pela barra da saia, em vermelho.

talvez nada disso te convença e o que veio à minha mente não exista mesmo kk ou talvez ce pense "ok, e cadê você descrevendo isso no texto?"
sry, preciso melhorar as descrições. > >
mas valeu por apontar isso \o

e comente sobre as teorias, hihi *-*

22 de abril de 2010 às 23:28
nathália disse...

kk, n é como se eu soubesse trazer as coisas pro "mundo real" direito anyway. xD (vide liz)

22 de abril de 2010 às 23:32
mandy~ disse...

Falaram do Grabe pra ela? Fofoqueiros.

Não que eu não fosse contar pra você, B. Mas ele não tem um texto bom sequer. /fato
Aliás, você tem razão sobre o vestido. Eu pensei bem a mesma coisa quando li, só que afastei o pensamento pra não estragar o clima. XD

Brisa #1: Acho que o sangue é simbolicamente menstruação. -Q Bom, leiam teorias psicológicas da Bela Adormecida que vocês vão entender.

Brisa #2: O fato de ser um açougue, um lugar onde se esmiuça coisas, não é a toa.

Alguém vai gargalhar com a brisa #1, mas tudo bem. kk

23 de abril de 2010 às 20:47
nathália disse...

eu fiquei -Q com a brisa #1
mas lembro de vc ter falado isso com relação à Bela Adormecida

e foi vc que falou pra B u.u
no dia antes da fuvest.
no ônibus.
na chuva.
eu lembro. uu

parei, rs


gostei da teoria do açougue. prossiga.

23 de abril de 2010 às 22:27

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Sobre

Nathália, 17/10/1992, São Paulo - SP

Liz é meu alterego, minha personagem universal para a qual todos os outros convergem; é minha massinha de modelar, meu gás, eu mesma e todo o resto. (mais)

Layout feito por mim, créditos da imagem.