• HOME

quarta-feira, 31 de março de 2010

Traindo

Ele corria alegre atrás de borboletas e eu o observava, sentado à sombra da sua árvore favorita. Não sabia se ele já havia me notado e fingia que não ou se realmente não percebera minha presença. De qualquer forma, não fazia diferença. Eu continuava o observando, fixamente, sem ter medo de que nossos olhares se cruzassem.

Depois de alguns minutos, ele então se cansou de perseguir suas borboletinhas e olhou pra sombra da SUA árvore, onde ele sempre descansava. E me viu lá.
Sua expressão de surpresa foi tão pura que eu realmente acreditei - e acredito - que não foi simulada.

Acenei rapidamente. Ele não respondeu. Olhou em volta como se procurasse a quem eu dirigira meu aceno. Não encontrando ninguém, voltou o olhar a mim; eu novamente acenei. Ele permaneceu com cara de quem não entende nada, mas veio andando em direção a mim, sem saber que cara fazer ou para onde olhar e muito constrangido com meu olhar fixo.

Parou a uma distância considerável e com a cabeça baixa.
- Desde quando tá de volta?

Eu sorri, sem me desencostar do tronco da árvore e sem desfixar o olhar.
- Não importa. - disse, em tom irônico.

- A situação... mudou?

Ele nunca soube ao certo como reiniciar algo inacabado. E também nunca soube lidar com nenhum tipo de situação; tinha sorte mesmo de não ter mulheres por perto naquele fim de mundo.

- Que você quer dizer com "mudou"? - Eu disse, finalmente desencostando-me do tronco e inclinando-me na direção dele, claramente interessado e com aquele sorrisinho sem-vergonha. Sua cabeça continuava baixa, mas pude ver suas bochechas rosarem.
É claro que eu sabia o que ele queria dizer. Que eu sabia que ele na verdade queria me perguntar se eu o tinha perdoado, ao invés de enrolar com "a situação mudou?".

Mas eu adorava brincar com a falta de habilidade dele, ah, adorava.
E ele sabia disso.

- ... você sabe...

Mas não sabia dizer nada além de "você sabe".

- Se estou perguntando, não sei, não é?
- ... claro que sabe, você sempre sabe do que eu tô falando.
- Não te alivia que eu continue o mesmo?
- ...

Ele também nunca sabia responder minhas perguntas difíceis de imediato.
Por que ele nunca se acostumou com isso? Deus, foi mais de um ano.

Depois de hesitar, ele disse:
- Na verdade, sim.
Sorri.
- Por que tá com a cabeça baixa? Realmente se sente tão culpado assim?
- ...

Não nego que às vezes sentia muita raiva dessa personalidade sempre reticente. Mas sempre me acalmei antes que ele percebesse. Tentava pensar que me divertia, afinal.

Depois de hesitar novamente, ele disse:

- Você me deixa muito confuso e inseguro.
- Só eu?
- Sim... Eu mudei bastante... ultimamente.
Surpreendi-me de verdade e dessa vez o sorrisinho sumiu do meu rosto.
- Enquanto eu estive fora?
- É... Depois que você foi embora... eu mudei muito. Você... você me mudou muito.

Eu não soube ao certo o que senti quando ele disse isso. Um misto de contentação com medo da responsabilidade e culpa, pelo que eu não havia vivido, e medo de ter perdido o que havia antes, e já saudades disso, que eu achava que ainda estaria ali.

- Mudei, é?
- Sim. Eu, aliás, queria te agradecer.
- Você não precisa fazer isso... não tem nada que agradecer.
Eu... reticente? Desde quando?
- Agora você não tá mais igual a antes.
- Por quê?
- Você hesitou... eu que geralmente faço isso.
- Tá dizendo que roubei seu papel, é?
Consegui novamente simular o sorrisinho no rosto. Mas só simular. Toda a segurança que eu achava que tinha, toda a vantagem sobre ele, era tão... tão firme quanto areia movediça.

Ainda mais, quando ele levantou o olhar e começou a se explicar.
- Sabe... não é que eu não seja mais o mesmo, só que... aprendi coisas com você.
- Não é pra se explicar, não tô bravo por você ter mudado, nada disso.
- É que você ficou estranho quando eu disse...
Por algum motivo, parecia que ele estava simulando as reticências só pra me dar impressão que ele continuava igual.
- Você ainda não disse como você mudou.
- E você ainda não disse porque voltou.
Ele respondeu prontamente como nunca tinha feito antes. Eu me senti afundar na areia movediça.
- Você realmente tá diferente... Nunca tinha me respondido assim.
- Isso é ruim?
- Não, não, claro que não. É bom pra não me deixar ficar brincando com você.
- Então você não vai mais brincar?
- Na verdade, eu voltei com essa intenção.
- Brincar comigo?
- Como antes.
Ele hesitou. Talvez não acreditasse que tinha entendido certo.
- Que as coisas fossem como antes?
- É. Eu acho.
Ele hesitou de novo. E bastante, dessa vez. Parecia aflito. Parecia não saber como dizer. Eu só precisava ouvir mais uma palavra pra afundar todo na areia movediça.
- Como antes... eu... já não sou... como antes... talvez...
- Para, para. Fala direito, para de me deixar agoniado.
- Talvez não dê mais.

Afundei.
Afundei.
Comecei a sufocar.
Debaixo da areia, sem respirar, sem respirar.
Como ele pôde fazer isso comigo?
Eu que devia perdoá-lo, eu que devia ter misericórdia, quem era ele pra me fazer sofrer de novo?

A quem eu quero enganar?
Nunca fui eu que brinquei com ele, e sim ele comigo.
Nunca o dominei e sim ele me dominou.

Olhei para ele sem palavras por alguns instantes.
- Então acho que não temos nada mais a dizer, vou sair de baixo da sua árvore.
Fui me levantando e ele então me segurou e disse:
- Espera, você ainda não disse se me perdoou.

Como, como eu queria poder dizer que não, que nunca o perdoaria por me fazer voltar, engolir o orgulho e tomar mais uma vez. Mas eu não podia. Eu não podia. Me sentiria a coisa mais inútil do mundo inteiro, se o fizesse se sentir mal de novo.

Então sorri com o sorrisinho de sempre.
- Tá perdoado.

Saí andando pela trilha depois da árvore, no meio daquele nada onde a gente sempre esteve juntos. Não olhei pra trás, mas sentia o olhar dele fixo, como eu o olhava enquanto ele caçava borboletas.

Apesar de tudo, não conseguia me arrepender de ter voltado e ter sofrido mais uma vez. Afinal, era ele, aquela coisinha que nem sabia falar, que eu só me envolvi porque acreditava que ele nunca... nunca seria capaz de me fazer sofrer.

E continuo acreditando, porque... quem me fez sofrer fui eu, com essa crença prepotente.

Perdoo sim, a você; mas não a mim, por minhas crenças idiotas, por achar que tudo estaria me esperando exatamente como eu deixei. Não, não consigo me perdoar...

Por não ter te perdoado antes, naquele mesmo dia, naquela... naquela mesma hora.

Nunca, nunca vou me perdoar.




Obs: O título não tem nadaver, não tem nenhuma relação com o texto, e é só porque o texto não é sobre a Liz rsss* Sim, é esquizofrênico, bjs.
Postado por nathália às 23:11
Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest

0 comentários:

Postar um comentário

Próxima postagem

Postagem anterior

Links

  • Cavalo Azul
  • Die Gabriel
  • Tulle

Arquivo do blog

  • ►  2011 (1)
    • ►  março (1)
  • ▼  2010 (15)
    • ►  dezembro (2)
    • ►  outubro (1)
    • ►  agosto (1)
    • ►  julho (3)
    • ►  junho (1)
    • ►  maio (1)
    • ►  abril (1)
    • ▼  março (2)
      • Traindo
      • Liz, acorda!
    • ►  fevereiro (3)

Sobre

Nathália, 17/10/1992, São Paulo - SP

Liz é meu alterego, minha personagem universal para a qual todos os outros convergem; é minha massinha de modelar, meu gás, eu mesma e todo o resto. (mais)

Layout feito por mim, créditos da imagem.